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Nádia Gotlib |
Nádia Gotlib veio a Goiânia, convidada pelo evento Banquete do
Livro, realizado pela editora UFG. A escritora é a primeira pessoa a escrever
biografia da autora de Onde Estivestes de Noite, - Clarice: uma vida que se
conta. Nádia falou para
faminto por novidades sobre Clarice Lispector. Todos afoitos, a espera de
percorrer a vida da escritora que marcou o século passado. Sou dependente da
obra de C.L, e fui ao evento. Ao fim de muita fala de Nádia e de inúmeras
perguntas – com bloco e caneta na mão – perguntei para Nádia, se poderia dar-me
uma entrevista. Visivelmente cansada, Nádia sugeriu que eu enviasse as
perguntas via e-mail. Convido você a ler minha primeira experiência com
entrevista virtual. Boa leitura!
O que mais surpreendeu a senhora em Clarice Lispector ?
A qualidade literária dos textos que ela escreveu.
A senhora conseguiu decifrar em Lispector, o segredo de
externar em frases, o impacto de viver?
O que a gente tenta fazer é apenas experimentar o que seus textos
traduzem. E depois passar para uma fase seguinte: a de se construir uma crítica
sobre tais textos. Nessa etapa é possível levantar hipóteses e chegar a algumas
interpretações, com base nos elementos de construção dos textos, ou seja, com
base nos recursos literários responsáveis pela eficiência poética dos textos.
Se tivesse a oportunidade de encontrar-se com Clarice, o que
perguntaria?
Sinceramente evitaria lhe fazer perguntas. Temos os seus textos.
Isso já é mais do que satisfatório para mim, enquanto leitora. Além do mais,
Clarice não via com bons olhos nem ‘autobiografia’ nem ‘biografia’. Preferia ser
apenas ‘bio’. Portanto, o melhor seria evitar essa conversa…
A senhora, apaixonada pelos escritos de Lispector, e não tendo
dados biograficos da autora de Paixão
Segundo G.H, concluiu que precisava dar inicio à saga pela busca da vida de
Clarice. Qual o grande desafio para quem almeja escrever uma biografia pioneira?
Coragem e disposição para ir atrás dos muitos dados de que não se
dispõe. É um grande desafio. E checar os poucos dados disponíveis. De qualquer
forma, é trabalho pesado. Exige paciência, perseverança, disposição física e
mental. Garanto que não é nada fácil.
Foram anos percorrendo o rastro deixado pela escritora em
vários países. Como foi essa busca?
Depois de ler a obra toda de Clarice publicada, de ler as entrevistas que concedeu e de ler os textos críticos, comecei a pesquisar os arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa, quando o arquivo não tinha ainda sido catalogado, no início dos anos 1980.
A partir daí, fui ampliando o leque: consultei dezenas de
arquivos institucionais e pessoais do Rio de Janeiro, de Maceió, de Recife, de
Belém (onde ela morou seis meses), e de cidades onde ela morou no exterior:
Nápoles (Itália), Berna (Suíça), Torquay (Inglaterra), Chevy Chase, perto de
Washington (Estados Unidos). E para o segundo livro sobre Clarice que eu escrevi,
o Clarice Fotobiografia, fui também à
Ucrânia (Kiev, Tchechélnik, Odessa) para completar os dados que já havia reunido
no primeiro livro (Clarice, uma vida que
se conta)referentes à perseguição dos judeusnaUcrânia, incluindo entre eles
as pessoas da famíliaLispector (família de Clarice por parte de pai) e Krimgold
(família de Clarice por parte de mãe). Circulei também por cidades por onde ela
passou, como Paris e Roma. Chequei datas, lugares, fatos, situações.
Colhi, nesses lugares todos, dezenas de depoimentos de pessoas que
tiveram algum tipo de ligação com ela: parentes, críticos, jornalistas,
escritores, amigos, colegas de escola, etc.
E para o segundo livro, a fotobiografia, reuni imagens de época
de cada um desses lugares e de pessoas que com ela conviveram nos vários períodos
de sua vida. Assim foi possível construir uma história de vida e de obra, mas
por uma outra via, a da imagem, ou seja, trata-se de uma ‘narrativa visual’ através de imagens (fotos
e reprodução de documentos, legendas das imagens, trechos de textos de Clarice
e de outros).
A senhora acredita que Lispector escrevia para
não ser entendida? Ela sofria por isso?
Acho que todo mundo escreve para ser lido. Acho que esse é o
caso também de Clarice. Aliás, uma das características de Clarice é escrever para
pessoas de todas as idades e escrever textos de diversos gêneros narrativos. Há
uma variedade grande, pois, de ‘tipos’ de texto. Uns são mais leves e a leitura
flui de modo mais confortável. É o caso de algumas crônicas do Jornal do
Brasil, por exemplo. Outros textos são muito densos, intensos, e a leitura exige
uma especial concentração. Por vezes provocam até mal-estar.
Essa diversidade nada tem a ver com a qualidade dos textos, ou seja,
um texto dela não é melhor ou pior por ser mais ou menos fácil de se ler. Essa já
é uma outra questão.Diria até que, em certos casos, os considerados mais complexos
podem ser até literariamente mais ricos. É o caso do conto “O ovo e a galinha”
e do romance A paixão segundo G. H.,
por exemplo.
O que Clarice quer dizer com "Escrever para leitores de
alma já formada"?
Há textos que não ‘atingem’ a sensibilidade ou percepção de
leitores no exato momento em que estes fazem a leitura dos textos. Talvez o
texto até fique por ali, fermentando na intimidade do leitor, que só vai ter consciência
dos efeitos ou resultados da leitura muitos anos depois. Isso já aconteceu comigo.
E o livro em questão foi Acidade sitiada.
Só consegui passar da quarta página e gostar desse romance muitos anos depois
da primeira leitura que dele fiz. Concluí que não tinha mesmo a alma bem forma
da por ocasião das minhas primeiras inestidas de leitura desse romance.
Aliás, essa afirmação Clarice cita como epígrafe de A paixão Segundo G. H. Esse é outro romance
que, no meu entender, exige um tipo especial de formação de alma. Só lendo para
saber do que se trata… e que ‘formação de alma’ o leitor tem… ou não tem ainda.
A senhora tem pensado em escrever mais um livro sobre
C.L?
Sim. Esse livro está a caminho.
Foi publicada recentemente no Brasil, obra do português
Carlos Mendes de Sousa, Figuras da
Escrita. A senhora o leu? O que achou? E já falou do livro em outra entrevista?
Sim. Conheço o Carlos há muitos anos. E já falei a esse respeito
algumas vezes em entrevistas.
Li o livro dele logo depois de ser editado em Portugal. É
trabalho acadêmico, sério, de professor especializado em literatura. Ele faz
leitura conscienciosa e competente da obra de Clarice.
A senhora já pensou comoq ue Clarice Lispector reagiria diante
de sua biografia e fotobiografia?
Nunca pensei. Prefiro não pensar. É uma questão tão distante,
essa, que escapa à minha capacidade de até supor como reagiria. Mas tenho uma convicção,
que me deixa tranqüila em relação ao trabalho que fiz: fui honesta comigo mesma,
respeitando a documentação disponível e aceitando as lacunas que a história nos
impôs, sem forjar situações, e por vez estendo de me
contentar com apenas hipóteses a respeito de alguns fatos.
Descobri que entrevista por e-mail é complicada. Sabe porquê?
O entrevistado fica sem folego, sem direito de réplica. A senhora concorda? O
que achou da entrevista?
Você fez perguntas pertinentes. Espero ter correspondido ao seu acerto,
respondendo também com pertinência.
Leia meu texto Breve Conversa com Clarice Lispector, publicado em jornal.
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